"Uma Terra da Beira" - artigo escrito pelo dr. Alberto Martins de Carvalho e publicado em 1934 no Jornal "A Comarca de Arganil", a propósito do desenvolvimento do Barril Alva.
Pela leitura, o reconhecimento da obra feita "... com verdade e justiça..." - palavras do autor, barrilense ilustre, como outros dos nossos patrícios, de acordo com as suas qualidades e competências...
Vale a pena interiorizar a prosa para que possamos valorizar o legado dos nossos antepassados.
"Sinto quanto é difícil escrever sobre a nossa terra, quer seja a meia dúzia de linhas dum artigo de página regionalista, quer a história geral duma nação. Pesa-me agora a primeira dificuldade; a segunda, a outros vários tem pesado. Custoso, se não impossível, ser-se objetivo, já que tudo o que diz respeito ao homem e à medida - na frase de um velho pensador - do mesmo homem…
Tornam-se imprescindíveis estas reticências porque me falta o à vontade ao escrever sobre Barril d’Alva, coisa parecida a lançar a público um autoelogio…
Salva-me em parte o facto de haver lá, como noutras povoações, um grupo de homens dedicados e voluntariosos que se deram o encargo de tornar conhecido o que há de bom, o que se faz, o que deve ainda fazer-se.
Esse “Secretariado de Propaganda Local” poupa-me o trabalho ingrato de contar – melhor seria dizer “cantar”… - as belezas e superioridade desta aldeia ribeirinha do Alva. Muito louvavelmente se vão desempenhando de tal missão e reconheço que a gratuidade dos seus esforços não é isenta de sacrifícios, de dissabores.
Mas arredado esse motivo fácil duma prosa ligeira, não vejo a que agarrar-me para continuar. Porque, enfim, isto deve ser um artigo simples, mas com ar festivo. E numa casa em festa, ai do impertinente que tirasse do bolso uns óculos e um caderno de almaço e fosse a história da habitação ou a maneira como tinha sido construída e retocada pelos sucessivos inquilinos.
Aceitando mesmo que os convivas tivessem a delicada condescendência de ouvir, não deixariam os outros, o mundo, de gritar que era o conto do gabar da noiva… Claro que o mundo ralha de tudo, coitado; é um desabafo como outro qualquer. Quer-me parecer, entretanto, que neste caso o mundo não tinha razão para falar.
Eu podia dizer bastante, com verdade e justiça, sobre as qualidades dos meus patrícios: o seu amor ao trabalho, o fiozinho sentimental que os une a todos, mesmo aos que andam perdidos por esses reinos de Cristo, a sua vontade de caminhar e progredir, vontade obscura mas tenaz, vontade de bons plebeus e camponeses, pessoas cujas mãos não servem apenas para justificar as algibeiras…
O mundo não tinha que achar mal que eu mostrasse como esta aldeia ignorada já entrava no cadastro da população de 1527 com a sua dezena de habitantes, que viveram e sofreram nos tempos da conquista da India, nos tempos de Vasco da Gama e de Albuquerque; creio que não será despropósito tecer algumas considerações sobre o caminho andado até hoje por este pequeno núcleo de gente que, sem alarde, talvez sem brilho mas com persistência, tem mantido o seu lugar ao sol. Poderia ainda dizer, se o mundo não ralhasse, que…
Mas eu prefiro que o mundo se não canse. Tanto mais que isto é um escrito particular, uma carta à família, digamos, com que os outros nada têm.
É apenas a esses patrícios que eu devo afirmar que me sinto integrado nas suas aspirações, como me sinto igual a eles no desejo de melhorar a terra onde nascemos, que é, para os nossos olhos, muito diferente das outras.
É para os que se têm batido como podem e sabem pelo progresso local que eu devo confessar que me parece estar certa a sua atividade, limitando-me apenas a insistir nesta pequena regra de ação: uma terra não pode cultivando o desconhecimento das outras e muito menos a hostilidade ou inferioridade das restantes.
Anda-se há muitos séculos a clamar que somos irmãos e a viver como se fossemos de barro diferente. Porque é que num canto onde todos se conhecem – aldeia ou comarca, tanto faz…- onde são idênticas as aspirações, há de haver fumo em vez de luz, berros em vez de palavras? Deixo à consciência de todos a ponderação e desenvolvimento deste motivo. E fico convencido de que não faço mais que tornar claro o que está implícito no ânimo de cada um dos meus patrícios, um principio que sempre os tem guiado, mas em que nunca se insiste demasiadamente…"
M.C.
Coimbra, dezembro de 1934
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